A obrigação de restituir o imóvel no contrato de comodato
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Artigo janeiro 2025
Imobiliário, Turismo e Construção
O contrato de comodato é uma espécie contratual relativamente desconhecida entre a população. No entanto caracteriza-se por ser um contrato a título gratuito pela qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir. Este é um contrato que se encontra regulado no artigo 1129.º do Código Civil.
Acontece que, o contrato em apreço tem vindo a ser discutido, mormente em jurisprudência, tal como se pode provar pelo Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a 9 de julho de 2024, à margem do processo n.º 3068/21.2T8STR.E1.S1, e relator Leonel Gentil Marado Serôdio. Alegou a Autora, em síntese, que é proprietária de um prédio urbano que as Rés ocupam desde 2008, sem o seu consentimento e sem qualquer título legítimo e que, em consequência dessa ocupação, sofreu danos nos montantes peticionados. No entanto, vieram as Rés contestar, arguindo a exceção da prescrição da indemnização que veio a Autora pedir, bem como, a impugnação de parte da factualidade alegada por aquela. Além disso, vieram as demandadas, em reconvenção, com fundamento na celebração de um contrato de comodato que incidiu sobre o prédio reivindicado, peticionar que fosse reconhecida às Rés a sua qualidade de comodatárias do imóvel em discussão, fixando-se a este comodato, carácter vitalício. Sucede que, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e a reconvenção parcialmente procedente. Todavia, como seria expectável, veio a Autora recorrer da decisão, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido, decidido revogar parcialmente a sentença e “condenar as rés a reconhecerem a autora como dona e legítima proprietária do imóvel (…) e condenadas a entregá-lo à autora completamente livre e devoluto de pessoas e bens, devendo as rés suportar o pagamento do valor de 350,00 euros por mês, desde a citação até à entrega efetiva do imóvel, com atualizações anuais às taxas fixadas legalmente para as rendas livres e julgar improcedente o demais peticionado pela autora." Naturalmente, vieram as recorrentes referir que o Tribunal violou o disposto nos artigos 662.º, n.º 1 e 674.º, n.º 1 alíneas b) e c), ambos do CPC, ao alterar a factualidade julgada. Contudo, a reapreciação por parte do Tribunal da Relação da decisão de facto impugnada comporta, numa das suas vertentes fundamentais, a análise crítica da prova, em conformidade com o disposto no artigo 662.º, n.º 1, e nos termos dos artigos 607.º, n.º 4 e 5, aplicável, com as necessárias adaptações, aos acórdãos da Relação por via do artigo 663.º, n.º 2, do CPC. Pelo que, a Relação, goza de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais. Torna-se necessário sustentar a decisão através dos meios de prova disponíveis; no entanto, não invalida a autonomia decisória por parte da Relação. Dessa forma, só em situações como o desrespeito pelas regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de lógica ou assente em factos não provados é que o Supremo Tribunal de Justiça poderá interferir na decisão de matéria de facto, por parte da Relação. No mais, e tendo em conta toda o caso relativo ao comodato, foi julgado por provado em sede 1ª instância que “O sogro e avô das aqui rés, na qualidade de representante da autora, disse sempre ao seu falecido filho, e às aqui rés, que enquanto não lhes construísse a casa/moradia para habitar, poderiam viver no apartamento (prédio dos autos) a título gratuito”. Consequentemente, em audiência de julgamento foram ouvidas testemunhas, nomeadamente um dos sócios da autora que era cunhado da 1ª Ré, o qual também mencionou a existência da cedência gratuita a que temos vindo a fazer alusão. Além disso, foi ouvido também a testemunha, pai da 1.ª Ré, que indicou “ter cedido (doado) à sua filha (e genro) o terreno onde iria ser construída a moradia que o representante da autora prometeu executar.” Foi entendido pelo Tribunal que a testemunha “Esclareceu, de forma serena e coerente, os contornos do negócio que então foi estabelecido, designadamente quando à cedência do aludido terreno e à promessa de construção assumida pelo representante da autora, tendo o Tribunal formado a convicção segura de que os factos ocorreram da forma que o depoente relatou em sede de audiência final", pelo que o tribunal atribuiu credibilidade e convenceu-se desta versão dos acontecimentos, fazendo uso do seu poder de livre apreciação da prova. Posto isto, é do entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, de que não existe qualquer razão ou fundamento para afastar a convicção da Relação. Sendo que não existe qualquer fundamento legal para o STJ censurar o acórdão recorrido. Em boa verdade, apesar do contrato de comodato ser uma cedência gratuita, não nos podemos esquecer do valor que se poderia retirar do arrendamento de um imóvel. Foi provado que o valor de arrendamento para o imóvel rondaram os valores entre € 225,00 e € 300,00 nos anos de 2005 até 210, € 300,00 e € 350,00, entre 2010 e 2015, e €350,00 e € 400,00 nos anos entre 2015 e 2021. Não obstante, a questão essencial é perceber se existe ou não fundamento para condenar as Rés a restituir o imóvel. Sendo o prédio reivindicado propriedade da autora, titular desse direito é a sociedade, não são os sócios. Contudo, foi pelo o acórdão recorrido julgado provado que o Sr., “não atuou na qualidade de representante da sociedade/autora, quando cedeu o imóvel em causa ao falecido marido da Ré e às Rés para neles habitarem, a título gratuito, carecia de legitimidade substantiva para celebrar o contrato de comodato, pois, pessoalmente não era titular de qualquer direito de gozo sobre o imóvel”. Por essa razão, foi alterada a decisão da matéria de facto, alterando todo o enquadramento jurídico da sentença recorrida, uma vez que na sentença de 1.ª instância, foi julgado provado de que tal Sr, teria agido na qualidade de representante da Autora. Inviabilizando, dessa forma, a validade e eficácia do contrato de comodato celebrado. Restava, por isso, às Rés, demonstrar a validade do alegado contrato de comodato, uma vez que vieram invocar a recusa da restituição do imóvel. Sendo certa a factualidade provada relativamente à cedência do imóvel efetuada por quem não era titular de qualquer direito de gozo sobre o imóvel, o contrato de comodato era ineficaz relativamente à autora. De todo o modo, na casualidade de ter existido um contrato de comodato válido, entende-se que não assistiria razão às Rés. Isto porque, da factualidade provada não resultou que fosse apenas o comodatário o falecido marido da Ré, uma vez que foi dito pela testemunha sogro e avô das aqui rés, na qualidade de representante da autora, que (sempre disse ao seu falecido filho, e às aqui rés) enquanto não lhes construísse a casa/moradia para habitar, poderiam viver no apartamento a título gratuito. Caso se tivesse decidido que o comodatário era apenas o falecido marido da Ré, com a morte do comodatário, o contrato caducava, como prevê o artigo 1141.º do Código Civil. Refere o artigo 1137.º do CC “se não foi convencionado prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado a restitui-la logo que lhe seja exigida”. Desta forma, o comodante poderá exigir em qualquer momento a restituição da coisa por não ser tolerável a sua subsistência a título definitivo. Entende-se que quando não é estabelecido prazo, impõe-se a restituição mediante interpelação aos comodatários. Conclui-se assim que não se pode qualificar como determinado o uso de certa coisa, se não se souber por quanto tempo irá durar o contrato de comodato. Consequentemente, entende-se que apesar das Rés fazerem um uso do imóvel para habitação, não é possível considerar a finalidade desse uso, dado não ser temporalmente determinado. Posto isto, não tendo as Rés restituído o imóvel à Autora, privaram-na do uso e da fruição do mesmo, constituindo um dano patrimonial. Sendo que, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, nos termos do artigo 1305.º CC. Nesta senda, é de concluir que o mero empréstimo de prédio para habitação do comodatário sem prazo determinado, não representa por si só um comodato para uso determinado, tendo o comodatário a obrigação de restituir o imóvel logo que lhe seja exigida essa restituição. + Artigos
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