Implicações do Regime da Confissão na Prática Processual Penal
Rigor e Profissionalismo, na procura das melhores soluções.
Artigo - janeiro 2021
Penal e Contra-Ordenacional
O direito penal reconhece consequências jurídicas não apenas ao comportamento do arguido no decurso do iter criminis, mas, também, ao seu comportamento anterior e posterior ao delito.
Antes de focarmos nas implicações do Regime da Confissão na Prática Processual Penal é importante termos como ponto de partida alguns princípios fundamentais na prática penal. Como resulta dos artigos 124.º, 125.º e 127.º do Código de Processo Penal, constituem objeto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou das medidas de segurança aplicáveis. A prova tem como base o princípio da legalidade, ou seja, são admitidas no âmbito do processo penal apenas as provas que não forem proibidas por lei. Além disto, importa ainda fazer uma ressalva de que, tanto a confissão como qualquer outro meio de prova está sujeito ao princípio da livre apreciação, na medida em que, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e livre convicção da entidade competente. Cingindo-nos ao comportamento positivo, onde se enquadra a colaboração com a justiça, nas suas possíveis formas, o mesmo assume, actualmente, enorme relevo jurídico na generalidade dos sistemas penais contemporâneos. O arguido tem direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, e é no âmbito dessas declarações que surge o regime da confissão. A confissão consiste na declaração do agente perante a autoridade judiciária competente a reconhecer que cometeu um crime. Esse reconhecimento da própria responsabilidade penal pode abarcar a totalidade dos factos, nos precisos termos descritos na acusação ou na pronúncia, ou somente parte de alguns dos elementos do tipo de crime. No primeiro caso, é integral e no segundo, é apenas parcial. A confissão pode, também, ser feita com ou sem reservas. Tem reservas aquela em que o arguido admite os factos imputados sob condição de um acontecimento futuro ou na dependência do reconhecimento de outros factos não incluídos na acusação (ou na pronúncia), que afastam ou diminuem a sua responsabilidade. Não tem reservas aquela em que isso não acontece. A principal base da confissão é a exteriorização. Significa isto que, à semelhança do que sucede com o comportamento delitivo, ou seja, com a ação típica enquanto primeiro elemento do conceito de crime, também o comportamento do agente subsequente à prática do ilícito criminal carece de ser exteriorizado através de atos concretos. Ficam, assim, à margem do direito penal, sendo neutros em termos jurídicos, todos os processos meramente psíquicos do agente do crime, como sejam pensamentos, sentimentos e intenções, ainda que comprováveis em termos científicos, exactamente por lhes faltar a necessária exteriorização ou materialização física que toda a ação humana comporta e que o direito penal exige. Para poder ser considerado pelo tribunal e produzir efeitos em termos jurídico-penais, o comportamento positivo pós-delito deve, também, servir os fins prosseguidos pelo direito penal, seja adjetivo, seja substantivo. Em suma, deve mostrar-se útil para o sistema de justiça . Resulta do artigo 343.º do Código Processo Penal que se o arguido optar por prestar declarações, o tribunal ouve-o em tudo quanto disser, sem manifestar qualquer opinião ou tecer quaisquer comentários de onde possa inferir um juízo sobre a culpabilidade. No entanto, se no decorrer das suas declarações o arguido se afastar do objeto do processo reportando-se a matéria irrelevante para a boa decisão da causa, o presidente adverte-o e poderá retirar-lhe a palavra. No caso de o arguido declarar que pretende confessar os factos objeto do crime, que lhe são imputados, o juiz pergunta-lhe se o faz de livre vontade e fora de qualquer coacção e se se propõe a fazer uma confissão integral e sem reservas. Esta confissão implica: a) Renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados; b) Passagem de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, à determinação da sanção aplicável; c) Redução da taxa de justiça em metade. Existem algumas hipóteses que permitem afastar a “hipotética” confissão integral e sem reservas, isto é, se o Tribunal suspeitar do carácter livre da confissão ou se surgirem dúvidas sobre a imputabilidade plena do arguido ou veracidade dos factos confessados pode afastar esta opção. Neste âmbito, há vários acórdãos que nos permitem perceber, quando é que estamos, efetivamente, perante um confissão integral e sem reservas. O Acórdão do TRG de 7/12/2009 afirma que: “... a confissão integral e sem reservas implica não só a aceitação dos factos imputados, mas também a dimensão normativa que lhes é dada. Se o arguido, embora reconhecendo os factos que integram os chamados elementos objetivos do crime, lhes contrapõe ou acrescenta outros com vista a eximir-se da responsabilidade, não faz uma confissão «sem reservas».” O Acórdão do TRE de 20/06/2006 refere que: “... a confissão integral e sem reservas implica, por parte de quem confessa, a aceitação de todos os factos que lhe são imputados e não admite condições ou alterações aos factos admitidos, tal como constam da acusação. E para além disso é contraditório afirmar-se que o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados na acusação e, depois, considerar-se como não provado um dos factos que lhe eram imputados. Não incorre em nulidade nem sequer em irregularidade o despacho do juiz que, em audição do acusado por crime de furto qualificado, face à confissão integral e sem reservas operada pelo arguido, decide em sua livre convicção não ter lugar a produção de prova relativamente à acusação, ordenando a produção relativamente à defesa.” Assim, como resulta do artigo 344.º do Código de Processo Penal, se o tribunal consciencializar-se da veracidade da confissão integral e sem reservas decide em sua livre convicção se deve ter lugar e em que medida quanto aos factos confessados a produção da prova. Ou seja, a confissão do arguido, mesmo no caso de ser admitida, não impede, necessariamente, a produção de prova em audiência, mormente no que respeita à prova da defesa, para o efeito da escolha e da medida da reacção criminal a aplicar. Desta forma e dadas as exigências da confissão para que esta seja válida em Tribunal, têm de estar reunidos um conjunto de pressupostos. São eles: a necessidade da confissão ser pessoal, na medida em que ninguém pode confessar os factos por outra pessoa; apenas poder ser feita em audiência (em julgamento); livre, sem qualquer tipo de coacção; espontânea; integral (só vale quando o arguido confessa todos os factos que lhe são imputados); sem reservas (sem omitir qualquer pormenor ou facto que lhe é imputado); coerente e de pequena criminalidade. É de salientar ainda que, conforme consta do Acórdão do TRC de18/04/2012 “... quando o arguido nas suas declarações, embora reconhecendo os factos objetivos, invoca para a sua prática uma causa de exclusão da ilicitude e da culpa e, por conseguinte não confessa o facto subjectivo imputado, não podem ter-se por confessados integralmente os factos da acusação que integram a prática do crime.” Em suma, a confissão tem que ser espontânea, partir da livre iniciativa do arguido, sem margem para qualquer deturpação, adulterar de sentimentos, sensações, margem de tempo, para que se possa ter a percepção, o mais real possível do relato dos factos. Face ao exposto, podemos admitir que a confissão é o meio instrumental que poderá melhor levar à descoberta da verdade e à boa decisão da causa nos termos do artigo 340.º do Código Processo Penal, artigo este que deve estar sempre na base de qualquer resolução de litígios e de imputação de responsabilidade no âmbito do direito penal. Desta forma, devemos considerar que a confissão que se mostre útil para a administração da justiça, designadamente ao nível da descoberta da verdade, não pode deixar de ser valorada no momento da escolha e da determinação da pena. Com efeito, como refere Paulo Pinto de Albuquerque, num comentário ao artigo 71.º do Código Penal Anotado de 2011, de um modo genérico, toda a colaboração prática com as autoridades na descoberta da verdade deve ser creditada a favor do agente no balanço das necessidades preventivas do caso. Por isso, os tribunais se inclinam frequentemente a recompensar com a clemência o autor confesso. Quanto maior for essa utilidade, maior será, também, o seu peso a favor do arguido. A esse nível existe um relativo consenso no seio da doutrina e da jurisprudência. + Artigos
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