O (in)cumprimento dos contratos à luz do Covid-19
Rigor e Profissionalismo, na procura das melhores soluções.
Notícia dezembro 2020
Artigo
A pandemia veio trazer uma perturbação de largo espectro a uma multiplicidade de sujeitos e vínculos contratuais. Estamos a falar de um dos mais nefastos exemplos da alteração superveniente das circunstâncias. A pandemia de covid-19 é inquestionavelmente naquilo que tem de pior a materialização do que Kegel se referia como uma “perturbação da grande base do negócio” – de largo espectro, afetando de forma violenta todo o equilíbrio social, de setores económicos e relações negociais.
A esse propósito, muito se tem falado no instituto da alteração superveniente das circunstâncias, questionando se ele poderá ser invocado nos casos mais controversos. Mas a verdade é que há uma panóplia de outros institutos que a ordem jurídica tem para dar resposta a perturbações nas prestações. A verdade é que não podemos esquecer que este instituto não é propriamente um instituto apelativo, porque é incerto, tem natureza subsidiária e existe sempre risco quanto às medidas que vão ser decretadas em consequência da sua invocação. Além do mais, tem um carácter especialmente exigente quanto ao preenchimento dos seus requisitos. Este instituto, originalmente, está pensado sobretudo para contratos de execução não instantânea, especialmente quanto a prestações futuras que ainda não foram realizadas. Mas como tem vindo a ser defendido com maior intensidade, trata-se apenas do seu âmbito natural de aplicação. É possível, por isso, que a boa fé exija solução diferente, nomeadamente impondo a aplicação do instituto a prestações que já foram efetuadas ou, no limite, a contratos que já foram plenamente cumpridos, nomeadamente a contratos cujo fim se realiza apenas no futuro. O pressuposto da aplicação do instituto é simples: a perturbação da realidade que envolve o negócio. Quanto aos requisitos, um dos mais difíceis de densificar é o requisito da base do negócio (elemento hipotético). O Código Civil português fala em circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar. Se as partes pensassem que a pandemia ia acontecer, nunca tinham celebrado o contrato ou não o tinham celebrado naqueles termos. Estamos perante a vontade hipotética das partes. Um “bom pai de família” teria aceitado o equilíbrio contratual se tivesse pensado na pandemia? É esta natureza bilateral da base do negócio que entendemos não ser uma natureza puramente subjetiva, mas um equilíbrio entre os elementos subjetivos e os elementos normativos que nos conduz a uma das problemáticas que vai gerar mais dificuldades. O que vai acontecer é que vamos ter muitos contratos afetados pelos efeitos que a pandemia teve nas circunstâncias pessoais e sociais e isso não cabe na base do negócio. O que se tem entendido em Portugal é que o impacto tem de se verificar no contrato, na prestação. A afetação das circunstâncias pessoais do devedor não fundamenta uma alteração da base do negócio bilateral suscetível de desencadear a aplicação do artigo 437.º do CC. Ora, isto deixa sem resposta uma enormidade de situações que se vão verificar no futuro próximo, sendo uma das primeiras o aumento acentuado do desemprego, que é uma circunstância individual e subjetiva de uma das partes. Se o desemprego se tornar um verdadeiro fenómeno endémico, temos de o encarar como uma perturbação objetiva da sociedade e não como problema concreto daquele indivíduo, caso contrário ficamos sem resposta. Em relação aos “riscos próprios do contrato”, vemos que é uma das questões que suscita mais angústias, quer para as partes, quer para o julgador. Primeiro, na maioria dos casos, esta pandemia representa claramente um risco que excede os riscos próprios do contrato. Mesmo que as partes tenham estabelecido uma cláusula que distribua o risco, perante uma pandemia, será que as partes quando fixaram esta cláusula, queriam abranger uma situação tão anómala como esta? No que respeita o requisito da “imprevisibilidade”, todos os contratos renegociados ou renovados depois de março de 2020 já o foram dentro do contexto da pandemia, pelo que estes afastam já o requisito da imprevisibilidade e deixam de estar integrados no artigo 437.º do Código Civil. O que existe agora é uma nova previsibilidade após março, dentro da nova realidade à volta da qual nos regemos. Ainda, no que concerne à inexigibilidade e causalidade, verificar-se-ão, certamente, casos de muitas partes lesadas a invocar dificuldades financeiras, em que a contraparte vai invocar também dificuldades financeiras já anteriores à pandemia e dificilmente se conseguirá provar que a causa da insuficiência economia é devido à pandemia, se se provar que já havia insuficiência encomia anterior. Por fim, falta fazer menção às consequências. A norma prevê a resolução ou a modificação do contrato. Não nos parece possível a modificação extrajudicial sem acordo das partes, porque o artigo 437.º refere-se a juízos de equidade – um juízo de equidade é integral, não está ao alcance das partes e se o artigo 437.º do Código Civil não o prevê, o artigo 406.º da mesma lei proíbe-o. É que se a parte tiver legalmente o poder de modificar unilateralmente o contrato, está a fazer impender o ónus de suportar os danos na contraparte. Parece à Professora Dra. Mariana Fontes da Costa que, sendo um juízo de equidade, se alguma parte, em determinado contexto específico, numa situação de exigibilidade, sem acesso aos tribunais, modificar o contrato unilateralmente antes mesmo de recorrer a tribunal, e se o faz de forma justificada, provando-o, ao abrigo de os juízos de equidade, o juiz deve ponderar essa situação não prejudicando a parte. Nuno Pinto de Oliveira, por seu lado, defende que a resolução tem de ser extrajudicial por mera declaração recetícia enviada à contraparte. Sabemos que a resolução, à luz dos princípios gerais do artigo 434.º do Código Civil, tem efeitos retroativos. Todavia, à luz do instituto da alteração superveniente das circunstâncias, a resolução não deve ter efeitos retroativos. Tendencialmente porque, nestes casos, a solução terá de ser casuística e aqui falha alguma certeza jurídica nesta matéria. + Artigos
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