A titularização de créditos
Rigor e Profissionalismo, na procura das melhores soluções.
Artigo maio 2024
Bancário e Recuperação de Créditos
De forma sumária, a titularização de créditos consiste no processo pelo qual uma massa de créditos cedidos é convertida em valores mobiliários prontos a ser subscritos pelos investidores.
Estruturalmente, a operação tem início do lado do cedente, com uma massa de créditos dos quais este seja mutuante. No exemplo tradicional, o papel do cedente é muitas vezes desempenhado por um Banco, embora tal não seja obrigatório, nem sejam somente as instituições financeiras a recorrer à titularização. Estes créditos cedidos são convertidos em valores mobiliários por parte de um cessionário, e lançados posteriormente nos mercados de capitais. Entre as maiores vantagens da titularização está a possibilidade de as empresas se autofinanciarem, assim como o incentivo a que os cedentes impeçam a deterioração da sua carteira de créditos e a mantenham constantemente atualizada, já para não falar na componente competitiva que veio introduzir ao nível da economia. Sucede porém que, graças ao desenvolvimento dos mercados de capitais, tem havido o surgimento de produtos financeiros tendencialmente mais complexos e sofisticados. Como consequência, torna-se cada vez mais difícil aos investidores vislumbrar o real alcance do risco associado a certos investimentos decorrentes das transações em causa, uma vez que, munindo-se do corolário jurídico da autonomia da vontade, as instituições financeiras podem, quase livremente, criar produtos financeiros híbridos que resultem da conjugação de outros dois ou mais produtos, e nos quais se encerre um alto risco dissimulado. Daqui se pode concluir que os moldes em que esta estrutura está organizada tem fomentado uma assunção crescente e precipitada de riscos, que por si só é incongruente com uma gestão prudente a longo prazo, e que gera graves motivos de preocupação, mormente ao nível do chamado “risco sistémico”. Atente-se no caso infeliz da crise americana do sub-prime americano e na hecatombe global financeira que por via dela se alastrou. Enquadrada num contexto que teve por base uma época caracterizada por um certo deslumbramento com os mercados de capitais, e uma exuberância desenfreada motivada por excesso de liquidez, a crise do sub-prime resultou da concessão de crédito hipotecário de alto risco aos chamados NINJA’s (pessoas de “no income, no jobs and no assets”). Inicialmente, este público tinha celebrado contratos de crédito com os Bancos porque tinha sido facilitado o acesso ao crédito. Devido à sua incapacidade de cumprimento pontual das suas obrigações, houve uma rutura do cash flow no processo de titularização uma vez que os valores mobiliários provenientes da titularização de tais créditos eram desprovidos de qualquer valor (visto que estes devedores cedidos não dispunham de solvabilidade). Concomitantemente, a falta de regulação e supervisão da atividade das agências de rating permitiu a atribuição errónea e ilegal de ótimas notações de risco (triple A) na hora de avaliação dos créditos, o que fez com que os investidores em geral continuassem a investir e se mantivesse um ciclo vicioso que eventualmente acabou por ruir. Na ilustração de Calvão da Silva, de tanto que se mostrou infundada a confiança nas notações de risco atribuídas pelas agências de rating, a nota máxima atribuída à Lehman Brothers em Setembro de 2008 (apenas poucos dias antes da sua falência e extinção) lembra a máxima de que “o rei vai nu”, traduzindo o cúmulo do descrédito nestas entidades em torno das quais girava o sistema e cujos modelos não captavam adequadamente o risco de muitos e complexos produtos estruturados, conforme se irá abordar mais à frente. Os investidores, por sua vez, induzidos pelas estratégias de mercado, sempre foram aliciados a crer na mecânica do sistema e, acima de tudo, a confiar cegamente na notação dada a cada operação, por uma agências de rating em que confiavam sem grandes esclarecimentos (e sem que estas próprias fossem obrigadas por lei a dá-los). Tradicionalmente, a regulação da titularização tem-se focado mais propriamente em tentar garantir a proteção dos investidores e uma certa credibilidade nos mercados de capitais por parte do público em geral. O acompanhamento e preocupação acerca do risco sistémico apenas tem sido objeto da legislação em torno do setor financeiro, sendo este monitorizado através da avaliação e análise das instituições financeiras de forma individualizada, ao invés de versar globalmente sobre o sistema. Por sua vez, a proteção dos investidores, bem como a confiança destes nos mercados de capitais, está diretamente relacionada com a maior ou menor possibilidade de certas transações poderem incrementar a volatilidade desses mercados, dando origem a um risco sistémico. Para uma definição clara de “risco sistémico” seria preciso desde logo colocar algumas perguntas e consequentemente definir por exemplo que tipos de riscos se consideram sistémicos, se um risco sistémico está associado a um único evento que ocasionou massivas perdas tanto a nível das instituições financeiras como dos mercados, se é um termo que se refere a um efeito dominó. A questão que agora se pretende lançar é se o risco sistémico não deveria, portanto, assumir um papel e importância central para efeitos da regulação da atividade, pois pese embora seja uma atividade inteiramente regulada, a legislação atualmente em vigor não impõe que sejam consideradas de forma absolutamente intencional as eventuais implicações que uma determinada operação possa ter a nível sistémico. No entanto, basta um olhar sobre a crise de 2008 e a sua génese no mercado imobiliário americano para concluir pela relevância do tema, bem como sobre o papel central que o risco sistémico deveria assumir para o legislador. Deste modo, não se pode deixar de colocar questões sobre a relação existente entre o risco e a legislação em vigor. O cataclismo emergente ao nível do mercado imobiliário americano da segunda metade de 2008 levou a que os investidores começassem a questionar não só a qualidade dos seus títulos, como também o valor dos ativos a longo prazo subjacentes. A propagação deste fenómeno teve lugar, em parte, através de derivados de crédito tais como as Collateralized Debt Obligations (CDO’s). Como forma de garantir vias de pagamento dos CDO’s e outros instrumentos financeiros, as empresas recorriam a outro tipo de derivados de crédito – os Credit Default Swaps. Por sua vez, a operação de titularização permitiu criar liquidez de mercado para ativos que de outro modo não seriam comercializados, tais como os créditos subjacentes às hipotecas. Contudo, este novo mercado criado com vista à comercialização destes ativos foi por outro lado um fator contributivo para a rápida propagação do risco. Assim, numa simbiótica conjugação com outros fatores, a crise no mercado de crédito alastrou-se a um ritmo galopante, exatamente pelas mesmas vias que outrora possibilitaram a sua prosperidade. Tudo isto deixa a descoberto a forma como era projetada a operação de titularização num contexto pré-crise financeira, Não obstante, na sequência da crise financeira de 2008, a titularização tem sido alvo de crescente escrutínio e pressão legislativa. A falta de regulação da atividade foi um dos fatores que possibilitaram a mortgage bubble. Por essa razão, tornou-se imperativa a imposição de uma série de medidas legislativas com vista a prevenir semelhantes crises e promover a estabilidade dos mercados. Esta iniciativa traduziu-se no Dodd Frank Act, uma série de atos legislativos ao abrigo dos quais foi instituída, designadamente, a obrigatoriedade de que certos cedentes retivessem 5% do risco associado aos ativos que titularizavam, quando em causa esteja “qualquer operação que implique uma transferência de risco de crédito dividido em tranches”. Esta exigência dá pelo nome de “skin in the game” e consiste numa resposta direta à suposição de que a bolha de mercado que precedeu a crise americana do sub prime teve por base um modelo de empréstimos hipotecários segundo o qual estes eram feitos com o principal objetivo de serem revendidos em mercados secundários, muitas vezes como parte de processos de titularização (originate to distribute). A este modelo está associado o moral hazard. O moral hazard (risco moral) consiste numa expectativa, por parte das instituições em causa, de que eram “too big to fail”, pelo que não se inibiam quanto a correr grandes riscos pois sabiam que a mera hipótese da sua falência iria criar um risco sistémico de tal ordem avassalador que a mesma teria de ser evitada a todo custo, e que, por isso, ser-lhe-ia inevitavelmente garantida a hipótese de bail out. Assim, o pressuposto inerente ao skin in the game visa de certa forma mitigar o moral hazard, pois parte-se do princípio de que se os intervenientes na operação forem obrigados a reter parte do risco de crédito associado à titularização, estas serão naturalmente incentivadas a garantir e zelar pela maior qualidade destes ativos. Entende-se que a retenção deste “interesse económico líquido substancial não inferior a 5%” apenas tem lugar sob as modalidades elencadas de forma taxativa no nº 1 do art.º 405 do Regulamento 575/2013/EU, de entre as quais os cedentes ou mutuantes iniciais podem escolher. Deste modo, conclui-se que uma das formas de minimizar o eventual impacto negativo que pode advir da atividade das instituições financeiras passaria por tornar a diminuição do risco sistémico um objetivo comum partilhado tanto pela gestão interna de cada instituição, como pela regulação a nível macroprudencial. O mesmo é dizer que será portanto benéfica qualquer alteração legislativa que forçasse os intervenientes nos mercados financeiros a uma gestão do risco, através da criação de mecanismos que levassem estes agentes a suportar, coletivamente, os riscos próprios da sua atividade. Mecanismos como por hipótese os seguros, bail out pools, ou ainda uma melhoria na política de gestão do risco, tudo isto tendo em vista uma repartição de forma minimamente homogénea do risco decorrente dos mercados de capitais. Não obstante, caberá sempre ressalvar que o foco de quaisquer medidas implementadas deverá estar em antever e evitar aqueles que poderão vir a ser os percalços do futuro, e não somente em evitar que se repitam propriamente os mesmos erros do passado. + Artigos
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